Terminal Rodoviário
O terminal rodoviário de Sete-Rios tira-me anos de vida. Eu, que sempre romantizei qualquer tipo de viagem, dei por mim a fazer viagens regulares de expresso, por motivos românticos. O que se segue é a trajetória clássica de qualquer história idealizada que, ao tornar-se realidade, perde os contornos idílicos. As longas viagens para o Porto deixaram de ser passadas a ler e, nem por uma só vez exceto esta, foram passadas a escrever, passando gradualmente a ser tempo para ver séries, ou pior – fazer scroll no Twitter. Pior ainda é quando – vergonha das vergonhas – o scroll é no Instagram.
São anos de vida interior que podia ter ganho, no interior de um “maravilhoso autopullman”, como diz a minha mãe - com uma ironia que eu não partilho, pois o expresso é, de facto, uma maravilha – desperdiçados!
Como se isso não bastasse, o terminal de Sete-Rios tira anos de vida até à alma mais paciente e, até, a quem nem vai viajar, tendo apenas a infelicidade de ter de passar de carro nessa parte da Avenida das Forças Armadas. Há forma mais inglória de diminuir a esperança de vida de uma pessoa? Naqueles cem metros, a falta de civismo atinge níveis apenas comparáveis ao The Purge. Há quem só não pare o carro dentro do Jardim Zoológico por não conseguir, e porque a sua selvajaria não condiz com o ambiente ordeiro do cativeiro dos animais selvagens. Estes, provavelmente, nem sairiam para viajar se as suas jaulas fossem abertas e se deparassem com o caos que se desenrola a escassos metros das suas portas.
Dizem que Deus dá com uma mão e tira com a outra, e a ordem das orações dessa frase reflete bem o pessimismo e o fastídio que caracterizam os portugueses. No entanto é após ter-me tirado a paz de espírito e uma boa dose de amor pelo próximo, entre as chegadas e partidas do inferno rodoviário, que Deus me dá a banca de um alfarrabista que, por vezes, tem pérolas como o Bilhete de Identidade da Maria Filomena Mónica – que já tenho, mas até pensei comprar para oferecer a ninguém em particular – ou o Avenida Paulista, do João Pereira Coutinho.
Nesse dia, cheguei fresca e bem-disposta, devido à hora e altura do ano que traziam consigo pouco trânsito, ao sol, que finalmente se lembrara que estávamos em julho, e com vontade de romantizar a viagem de autocarro e até, quem sabe, a própria existência. Hesitei em comprar o livro. Tenho sempre tantos em casa – e até tinha um na carteira - por ler. Mas comprei-o e ainda fui beber um café.
Antes de chegar a Fátima, não só já tinha lido uma boa parte do livro, como ainda tinha voltado a pegar no que tinha na carteira e, pasme-se, até tinha começado a escrever este texto. A vida é bonita, mas às vezes temos de a forçar a sê-lo. Caso contrário, pouco mais é do que horas perdidas num terminal de autocarros ou, Deus nos livre, no Instagram.



